Thursday, November 20, 2008

A distância que vai do convite à intimação (por vezes, nenhuma distância)

"Sorria!
Está a ser filmado!"

Quem exclama sou eu.

Que coisa social e tribal é esta? Sorria? Sorrio para quê? Quem me paga? E se estiver mal-disposto? Indisposto? Muito? Vão fazer o quê? Multar-me? Invectivar-me? Sorrir-me...?

E que razão é essa de se (dever?) sorrir porque se está a ser filmado? E que tal nos urinóis convidarem-me a sorrir porque estou a urinar? No dentista, sorrio porque tenho a boca aberta para a luz? Ninguém admite suportar a reprodução (palavra escolhida a dedo, aqui se denuncia a minha perversidade, olhem eu a acabar a frase aí mesmo) de filmagens de pessoas numa fila em espera no banco? O banco não me admite como cliente se não lhes sorrir para o buraco negro?

Se é uma intimação, senhores, rio, faço o pino e ando sobre as mãos, para ficarem com um filme bonito para... pois, para o que bem ou mal vos aprouver. Espero sim que ninguém me entreviste e pergunte o que sinto, gosto tanto mais de ser honesto quando sei que vai resultar num espalhafato.

Se é um convite, obrigado, vão lá vocês mesmos sorrir diante do vosso próprio buraco negro.

Thursday, November 13, 2008

Cornamusa

Fosse eu livre de preconceitos, não lhe acharia graça.

Mas acho, é a palavra mais divertida deste Novembro de 2008.

Wednesday, November 12, 2008

O meu avô


Morreu há menos de um ano, uma semana antes do Natal, com noventa e um anos.

Sempre me impressionou a sua parecença física com o S. Beckett, mais brando, menos severo, pudera, menos atormentado, ou atormentado com assuntos bem diferentes, no exíguio espaço de raciocínio que disputava com a alzheimer.

Tenho algumas memórias apontadas do funeral, os cheiros, as pessoas, os gestos, guardei-os para uma melhor oportunidade, nunca soube muito bem como conseguir descrever a despedida da minha avó pequenina pondo-se em bicos de pés para lhe beijar os cabelos, depois de setenta anos casada com ele, depois de várias décadas a ampararem-se na velhice, nunca soube como descrever o que não são só estas palavras: "Adeus, meu amor". Comovi-me, foi tão inesperadamente terno. Ainda bem que assisti a isso, não tenho este sentimento ou esta experiência dentro de mim, nem se lesse, não acredito assim de repente no talento de alguém para me emocionar desta forma. Não acredito é demasiado. Não quero acreditar. Quero manter aqui uma reserva de exclusividade.

Muito curioso é saber que algumas células minhas, poucas mas algumas, foram sepultadas junto com o meu avô, ainda não pesei que mais significações ou alegorias daqui poderão surgir, é que com ele para debaixo da terra foram uns sapatos (outrora) meus, castanhos, muito provavelmente já com quase vinte anos de andaduras.
Era comum ser ele a herdar roupa e calçado que já não nos interessava, lembro-me de uma camisola de um verde bonito, um sobretudo cinzento com o qual mergulhei no chão com uma amiga (um episódio que está por aqui narrado, mais tarde tentarei acrescentar aqui a ligação), pois, e os sapatos, alguns pares deles. Tudo combinado com roupa comprada há muitos anos, enfim, alguma já deveria ser mais velha do que eu, alguma seria até da idade dos meus pais.
Nunca mais lhe visitei a campa, vejo-o melhor quando penso nele, em qualquer lado em que esteja, o pouco que dele está ali é o que menos me interessa.
(A poucos dias de distância do Dia dos Fiéis Defuntos, que belo nome, percebo por que me ocorre isto.)
Samuel seria um pouco mais velho do que ele, (alías, nos setenta e três anos em que ambos foram vivos em simultâneo, o Beckett sempre foi dez anos mais velho do que ele, que estranha coisa de corrigir de que estranha forma, armadilhas do raciocínio e armadilhas da linguagem), por isso o Manuel é que poderia ser um sósia do Samuel, o que me deixa pouco favorecido nesta vaidade em mostrar a parecença de ambos.
Não consigo largar o assunto sem dizer, se bem que não vou agora... abjurar o parentesco com o meu Manuel, apenas afirmar que sou um bocadinho neto do Samuel... por uma afinidade muito frágil de defender, muito contestável, suportada apenas na aparência... vou colocar um ponto final e não mexer mais no assunto à espera que ninguém o incomode e possa assentar serenamente, para grande conveniência minha.

Monday, November 10, 2008

Prémio Boa Pessoa


Só consigo imaginar o Humbert Humbert como boa pessoa.

Acredito que qualquer pessoa só o consiga imaginar como boa pessoa.

Ele foi uma boa pessoa.

Merece um prémio.

Um prémio pessoa, um Prémio Boa Pessoa.

Boa, boa, boa.