Tuesday, January 13, 2009

Pinókia

Nunca haveria como escapar-lhe. Trabalho deste lado da Avenida, ela vive em frente, do outro lado. Aqui a umas dezenas de metros, quase consigo cheirá-la.

Poderia mesmo nunca a ter visto, sim, na teoria e nos números isso é verdade uma infindade de vezes, tantas que me confundo. Para ter fé, não posso atender aos números.

Uma vez sentou-se diante de mim, falou comigo. Não há outra versão: encontro-lhe beleza até em demasia. Mas, mas, mas, concedo que o nariz assuste muitos homens, e mulheres, e escorpiões, e até relógios Rolex falsos, seres inanimados e todos os outros que têm a alma metida lá no seu interior fundo e escuro. Fez-me perguntas, dei-lhe as respostas. Nessa pequena entrevista, embora mantendo-se séria e fatal, deixou perceber bem a mensagem de que estava disponível e fatal. Ela e o nariz, fatais.

Cyrano sem poesia, embora carregado de sexo predatório, algumas carências têm grandes compensações. Um epílogo do século vinte e um.

Via-a regularmente quando também eu contornava a rotunda atrasado para trabalhar, eu motorizado, ela caminhando, movendo massas de ar com a incrível ginástica das nádegas. Senhores, um matutino Moulin Rouge.

Não chego a explicar mas está lá, existe, aquela capacidade de movimentar exageradamente as nádegas, como uma nau, para os lados, mantendo a expedita passada em frente, à minha, à de todos, os acidentes contendo-se (confesso uma vez que comprimi as coxas, celebrando a excitação visual, aquele ostensivo e arrogante chamamento do pénis), contendo-se por pequenos trizes.

Ensaiei uma conversa de homens com um vizinho, este sem qualquer dificuldade em entender de quem eu falava.
É a mulher do engenheiro.

Fugazes e frugais avistamentos, na zona do tribunal, com alguma frequência na rotunda, essa, a do outrora presidente.
Incrível e fatal, ela e o nariz, entidades complementares, percebam a minha necessidade em distinguir ambas.

As fatalíssimas identidades.

Apesar disso, repito, desejo-a muitíssimo. A ela e à outra identidade.

Aqueles ares de Megève, a predisposição anunciando-se, cintura de vespa sobre o vasto rabo, delgada de tronco, feições tensas, elegantes, com a pontinha de severidade que a separa da vulgaridade.

A mulher do engenheiro.

No topo da minha lista de amantes desejadas.





Encontrei-os no Modelo, graças a Deus, generoso Deus!

Ela de saia até aos tornozelos, tecido castanho, fino, e a plena anunciação das nádegas, gloriosas bochechas do traseiro, sabiamente expostas (como se nenhum tecido as conseguisse ocultar, como o azeite é incapaz de se afundar e ocultar na água) pela douta escolha de um casado curto. Há-de haver um nome melhor, o correcto, aqui e agora será um casaco curto.

Muito curioso o olhar intrigado do engenheiro, como se conseguisse ler perfeitamente a situação, assim como a minha mente devassa e esfomeada. Mais imberbe ainda do que eu, autêntica cara de menino de coro, quase pueril, ainda deve consultar-se na pediatria – não, exagero. Se é a cara a montra do seu coração, compaixão minha, espero que assim o deseje a mulher, porque não é exactamente isso que se lhe vê na montra desta.

Foi um espectáculo. Estava a fazer compras? Não, ela estava a desfilar pelos corredores, catwalks de cereais e azeite extra-virgem.

Se a saia já permitia revelar todo aquele vaidoso cu, aquele cu teimava em querer aparecer em primeiro plano, engolindo completamente a cueca até ao início do vale. Sim, a mínima quantidade de cueca já seria o resultado da estratégia de susto e sedução, mas mesmo o sobrante dessa mínima quantidade de cueca foi tragada pelo impante cu.

Não a persegui pelos corredores, tive a felicidade de seguir um habitual itinerário semelhante ao seu, cruzei-me também um par de vezes com o olhar interrogativo e receoso do engenheiro. Soubesse eu construir a expressão facial, ter-lhe-ia transmitido que já havia subido ao alto do nariz e nádegas da sua legítima mulher, nariz e nádegas fatais. Oh, engenheiro, senti pena da tua vulnerabilidade, mas mais senti inveja dos teus privilégios conjugais.

Por coincidência, separaram-se dividindo tarefas e compras, assim como me separei da minha mulher, cada um com a sua bebé e o seu carrinho de compras.

Cruzámo-nos na fruta, muito próximos, olhou-me sem me olhar, estava a tourear-me, alternando distância com proximidade, acredito que me virou as costas para me dar uma melhor perspectiva da bondade da sua carne debaixo dos têxteis; babei-me mas lambi imediatamente a baba, receei ter sido visto, pareceria uma cena de sedução medieval.

Cruzámo-nos nos chocolates, muito discretos nos sinais, andava perto o engenheiro.

Cruzámo-nos nas massas, deixei a minha bebé entretida, de costas para nós, cheguei-me a ela, contornei-a, apertei-me contra ela, forçando o meu púbis contra o seu generosíssimo rabo, dancei-lhe a carne tenra contra a dureza viril do meu baixo-ventre. Virei-a para mim, não havia tempo de tentar encaixar-me no rosto dela, procurei o pescoço e articulei com febre os meus lábios num harmonioso pescoço, com cheiro autêntico de mulher, livre de perfumes tóxicos, cheiro e sabor de carne boa. Lancei-me contra ela, ela contra as massas, segurando-a pelos ombros, com o meu rosto escondido nos seus cabelos. Percebi que exagerei, manifestou-me o incómodo, tinha-lhe comprimido uma fofa nádega contra os cotovelinhos e contra as espirais. Compôs-se, compus-me. Deslizei-lhe a mão pelo braço, exprimindo a vontade de ir mais longe numa melhor oportunidade. Escapou-se, havia gente na loja com um interesse diferente pela secção das massas, a qualquer momento alguém apareceria.

Não o condicionei, foi inclinação da minha mulher, chegámos à caixa de pagamento, mesmo atrás deles, a centímetros daquele animal magnífico. Fiquei aborrecido por logo ter aberto uma caixa ao lado, e para ela termos sido desviados, de ter sido separado daquele perfeito molde sexual.

Fiquei pacificado, deitado à noite, abrindo os olhos no escuro, imaginando o engenheiro monitorizando-lhe o corpo ao deitarem-se, perguntando-lhe que marca espiralada era aquela no seu bom cu.

(Adenda, actualizando: hoje, 15/01/2009, descobriu onde moro, o cerco aperta-se, o abraço da boa constritora.)

Thursday, January 08, 2009

Sou pequenino, ino.


Pólo Paulo G


Alheio aos gelos e degelos, o meu coração continua debaixo de um severo inverno polar, como se o planeta tivesse um terceiro pólo, aqui pelas coordenadas
41º23'46.19'' N
8º30'57.22'' W
um palmo abaixo do meu queixo, um pouco para a esquerda, venham as exploradoras espetar-lhe uma bandeira.
O que me vale é que não preciso do coração para amar, até com um fio de cabelo amo, enquanto houver uma fracção de célula minha no mundo, haverá o suporte e o testemunho do meu amor.
Com esta do fio de cabelo, vai voltar do além o Byron para reescrever o Don Juan.

Tuesday, January 06, 2009

Ainda os entusiasmos

Uma encruzilhada?, um beco sem saída? A boca no rabo do fim do princípio?

Estou a tentar visualizar mentalmente o que me sugerem estas palavras, recomendo vivazmente o exercício a novos e velhos, gente redonda, quadrada, gente sem forma ou gente muito bem formada, gente insegura ou gente segura e assegurada, a todos nós e vós que já nos e vos descobrimos, e a todos nós e vós que ainda andamos à procura de nós e vós dentro de nós e de vós.

(Isto é um sarcasmo pouco fino em cima da afirmação muito pouco normal do António Lobo Antunes, algo semelhante a não ter qualquer interesse a história do romance, mas sim que nos faça descobrirmos a nós próprios, essa ideia circular e desamparada que me parece peregrina e desnorteada por - possivelmente - andar neste planeta há poucas décadas.)



Vamos imaginar uma bela e perfeita frase portuguesa:

Até mais não.

Monday, January 05, 2009

As intermitências de um blog, blogue, blog, sinto-me um peixe ao articular a palavra blog, e blogue também, e blague também

Os Cus de Judas é a fenomenal descoberta do final de dois mil e oito,

(entro eu agora algo,
algo,
algo,
algo,
atrasado no comboio dos sumários de preferências do ano, não é por charme nem por falta de tempo, é aquela merde do je ne sais quoi, vem alguém certeiro e diz que é capricho e falha por pouco, apesar de certeiro, falha por pouco, apesar de certeiro, falha, certeiro)

antecedido pelo ditosíssimo A Casa dos Budas Ditosos; pois, narrativas devassas, excessivas, a primeira leva logo com a severa reprovação da ditadura literatura pura e crua e nua, em que parece que querem ler toda a gente a escrever com contenção e depuração... gosto de barroco e de rococó, eu e muita gente mais, os entusiasmados, pode cansar, caramba, mas é de energia que a vida precisa, descansamos no ataúde, até lá temos de buzinar furiosamente como se o Carnaval fosse o momento mais sossegado das nossas experiências.

A motivação contagia-se, amigos e amantes, a melancolia tem a sua doçura, mas há que variar e avariar o gosto.