Wednesday, July 29, 2009
Uma mulher em discurso directo:
“Anda aí tanta gaja com a cara destapada, até ofende, pelo que têm para mostrar; estas coitadas assim cobertas sem nada que se veja, podem ser lindas de morrer, podem ser lindas de ressuscitar; um dia que consigam sair à rua com um decote generoso e uma saia curta, vocês homens morrerão todos consolados, mas morrerão.”
Friday, July 03, 2009
Minolta Maxxum 9
Corremos em direcção aos óculos de sol, os que não os temos postos o tempo todo, somos poucos.
Apuramos os gestos e a pose, esta fotografia será um troféu, no parapeito da lareira, junta a outras fotografias de entres queridos mortos e vivos, entre quinquilharias, foles, velas, loiças, lembranças das férias, bonecas de época em porcelana, várias, colecções de objectos que os jornais oferecem por mais uns cêntimos, o espaço é pouco para expor tanto orgulho.
Amparamos o bicho, em agonia, eu tê-lo-ia devolvido à água depois de satisfeito o espanto. Tu não me deixaste, dizes que vamos cozinhá-lo e comê-lo, eu replico que os peixes de rio cheiram a bafio, muito intenso, vai ser uma refeição estragada, viras-te com uma expressão irada, eu calo-me, condescendo, acerto a posição dos óculos e do boné, o cavalheiro simpático que no aponta a câmara percebe disto, coloca-se de forma a realçar o tamanho do peixe, os efeitos de óptica e perspectiva de que ouvimos falar mas não sabemos na prática como se conseguem com uma pequena máquina fotográfica.
Clic (digital).
Já está.
A conversa de pescador é insusbtituível.
É o exemplo exagerado da capacidade do ser humano para a ficção. É com muita naturalidade, dentro da literatura, um domínio autónomo.
Apuramos os gestos e a pose, esta fotografia será um troféu, no parapeito da lareira, junta a outras fotografias de entres queridos mortos e vivos, entre quinquilharias, foles, velas, loiças, lembranças das férias, bonecas de época em porcelana, várias, colecções de objectos que os jornais oferecem por mais uns cêntimos, o espaço é pouco para expor tanto orgulho.
Amparamos o bicho, em agonia, eu tê-lo-ia devolvido à água depois de satisfeito o espanto. Tu não me deixaste, dizes que vamos cozinhá-lo e comê-lo, eu replico que os peixes de rio cheiram a bafio, muito intenso, vai ser uma refeição estragada, viras-te com uma expressão irada, eu calo-me, condescendo, acerto a posição dos óculos e do boné, o cavalheiro simpático que no aponta a câmara percebe disto, coloca-se de forma a realçar o tamanho do peixe, os efeitos de óptica e perspectiva de que ouvimos falar mas não sabemos na prática como se conseguem com uma pequena máquina fotográfica.
Clic (digital).
Já está.
A conversa de pescador é insusbtituível.
É o exemplo exagerado da capacidade do ser humano para a ficção. É com muita naturalidade, dentro da literatura, um domínio autónomo.
Wednesday, July 01, 2009
Só azar
Luís Gonzaga Gouveia, este era o nome do pai do meu pai.
Contemporâneo deste rapaz aqui acima, conheci-o sereno, sisudo, severo, muito severo.
Homem de poucas palavras, quase nenhumas, houvesse forma de o fazer exprimir toda a construção interior de uma vida silente, haveria de ser bonito o resultado.
Ainda encontro semelhanças no meu pai, embora o meu avô fosse DEVERAS (olha a palavra mais horrível de toda a colecção delas portuguesas) parecido com o DOUTOR António de Oliveira Salazar, por quem nutria uma grande simpatia, acrescentaria afinidade intelectual, mas aí já especulo muito, eu que não entendo nada de operações da bolsa de valores.
Avalio-me e ao meu carácter neste confrontos, em que tento trair os meus genes, a minha herança; rezo para ser deserdado, para ser DEVERAS neto do Beckett, e nadinha neto do Salazar. Rezo e recito preces, na ansiedade me serem concedidos também 50 dias de indulgência.
Não sei o que é melhor... assim no singular: indulgência, em que têm os crentes de subentender qual a indulgência mais própria, mas seja ela qual for, é uma barrigada; ou no plural: indulgências, em que ficamos servidos com todas as que queiramos consumir do cardápio.
50 dias de indulgência.
Voltarei cá pelo dia 19 de Agosto.
Gostaria de contribuir para um estudo que nos explicasse como é possível termos suportado um ditador tão afável, tão cândido, com uma voz tão esganiçada. Até nisto ser português é embaraçoso, tivemos um ditador mariquinhas, com vozinha esganiçada, e não houve forma de golpear o Estado com sucesso durante quarenta e um anos?
Pois, em Espanha também não o conseguiram em período pouco menor. Sim, pois, mas a Espanha tinha um ditador a sério, matavam pessoas às centenas de milhar, o medo era genuíno e horroroso, não era um sentimento de medo pelas queixinhas e pela ameaça de prisão, quarenta e um anos a manter as aparências deixaram-nos o legado da hipocrisia como modo de vida. Em Espanha o ditador rugia, imprevaca, ameaçava, matava, em Portugal... o Salazar miava e fazia caras sérias e melancólicas. Nem um cabrão de um ditador a sério conseguimos produzir?